Operação contra líder do governo no Senado gera nova crise em momento delicado
A operação da Polícia Federal na manhã de quinta-feira (19) pôs em xeque o principal articulador do governo Jair Bolsonaro no Senado, irritou aliados e deixou o Palácio do Planalto preocupado com o andamento da agenda que conduz no Congresso.
O alvo da PF, que acumula atritos com Bolsonaro nos últimos meses, foi o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo na Casa e que deixou seu cargo à disposição do presidente.
As buscas e apreensões em endereços ligados a Bezerra e ao deputado Fernando Filho (DEM-PE), filho dele, em Brasília e Pernambuco, foram autorizadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal). A decisão é de 9 de setembro e atende a um pedido da PF. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contrária à ação contra o senador.
Sergio Moro, titular do Ministério da Justiça, pasta à qual está subordinada a PF, foi ao Palácio da Alvorada à tarde conversar com Bolsonaro. A Polícia Federal vive uma crise desde que o presidente ameaçou demitir o diretor-geral da instituição, Maurício Valeixo. A situação criada nesta quinta gera uma nova crise num momento delicado para o governo no Senado.
Além da reforma da Previdência, está nas mãos dos senadores a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, como embaixador do Brasil em Washington. O governo também pode ficar sem um articulador importante para evitar a derrubada de vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade.
A principal reação política ao longo do dia foi do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que criticou a operação e disse que vai questionar oficialmente o STF.
“Há um entendimento no Supremo Tribunal Federal que a operação realizada precisa ter conexão com o mandato. A determinação de um ministro do STF de entrar no gabinete da liderança do governo no Senado... A liderança é um espaço do governo federal. Só que em 2012 e 2014, período a que a operação se refere, Fernando Bezerra não era senador, muito menos líder do governo”, disse Alcolumbre.
As declarações foram dadas no evento “E agora, Brasil?”, organizado pelos jornais O Globo e Valor Econômico. O presidente do Senado disse que vai defender a Casa como instituição e citou seu esforço para garantir que não haja uma crise institucional entre Legislativo e Judiciário.
Desde o início do ano, Davi Alcolumbre tem segurado reiterados requerimentos para criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar integrantes do STF, a CPI da Lava Toga. À noite, Alcolumbre divulgou uma nota em que manifesta perplexidade com a operação, chamando a decisão de Barroso de “grave medida” e “drástica interferência”.
Eduardo Braga (AM), líder do MDB no Senado, também divulgou nota em nome da maior bancada da Casa. “A independência e autonomia entre os Poderes da República são essenciais para o equilíbrio democrático. Esse equilíbrio não pode ser fragilizado por uma ação extemporânea”, disse Braga.
Nos últimos meses, o ministro Luís Roberto Barroso tem saído em defesa do legado da Lava Jato após recentes críticas à operação. Em nota, afirmou que a decisão de autorizar a operação "foi puramente técnica e republicana, baseada em relevante quantidade de indícios da prática de delitos". Ele ressaltou que a investigação de fatos criminosos pela PF e a supervisão de inquéritos pelo Supremo "não constituem quebra ao princípio da separação de Poderes, mas puro cumprimento da Constituição".
A PF sustenta que o líder do governo no Senado recebeu R$ 5,5 milhões em propinas de empreiteiras encarregadas das obras de transposição do rio São Francisco e de outros contratos do Executivo federal.
A negociação e o repasse dos valores teriam ocorrido de 2012 a 2014, mas, segundo a PF, Bezerra também teria mantido negociações ilícitas durante o exercício do seu atual mandato, iniciado em 2015. De 2011 a 2013, Bezerra Coelho foi ministro da Integração Nacional na gestão de Dilma Rousseff (PT) e integrava o PSB. Já Fernando, ex-ministro de Minas Energia de Michel Temer (MDB), teria recebido R$ 1,7 milhão.
As investigações da PF se deram a partir das delações premiadas de empreiteiros e dos empresários João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, Eduardo Freire Bezerra Leite e Arthur Roberto Lapa Rosal. As apurações sobre Lyra começaram após a PF descobrir, na Operação Turbulência, que ele era o dono do avião que caiu em 2014, matando o ex-governador pernambucano e então candidato à Presidência pelo PSB, Eduardo Campos.
No decorrer do inquérito, a polícia diz ter identificado supostas operações financeiras ilícitas das empresas dele. Lyra e os outros dois colaboradores contaram ter feito o “pagamento sistemático de vantagens indevidas” a Bezerra Coelho e ao filho dele por ordem das empreiteiras OAS, Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções, envolvidas nas obras da transposição e em outros projetos do governo federal.
Executivos da OAS fizeram delação e confirmaram as ilicitudes apontadas pela PF. A pasta da Integração, quando comandada por Bezerra Coelho, era a responsável pelos canais que levam água do rio São Francisco para outras regiões do semiárido. Para ocultar a origem ilícita dos recursos, pai e filho teriam se valido de operações de
lavagem de dinheiro.
A defesa do senador e do deputado disse estranhar que “medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos". Bezerra Coelho afirmou que Bolsonaro poderia substituí-lo na liderança do governo. “Quero deixar, desde pronto, o governo à vontade para que, fazendo o juízo da necessidade de um novo interlocutor, que não haverá, da minha parte, nenhuma dificuldade”, disse o senador ao deixar seu apartamento funcional, um dos locais da ação policial em Brasília.
Após conversar com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o presidente do Senado afirmou não haver, ao menos por ora, disposição do governo em substituir Bezerra Coelho no posto de interlocutor na Casa. A Barbosa Mello disse, em nota, ter disponibilizado todas as informações solicitadas pela PF.
"A empresa reafirma que nunca praticou ou compactuou com práticas ilícitas e segue à disposição das autoridades", disse. A Paulista informou que não comentaria. A reportagem não conseguiu contato com os demais investigados ou seus representantes.
Fonte: folha.uol.com.br