Cinco núcleos são suspeitos de desvios na casa de R$ 1,6 bilhão; operação iniciada em 2018 chega à fase final
Carne substituída por ovo, proteína trocada por pipoca e mais arroz do que o previsto no prato da merenda escolar. Esses são alguns dos exemplos dos truques que eram usados por quadrilhas para desviar dinheiro que deveria ser destinado à compra de alimentos para estudantes de escolas de todo o estado de São Paulo, de acordo com a Polícia Federal.
A operação Prato Feito, iniciada pela PF em 2018, vai chegando ao final com indiciamento de 154 pessoas suspeitas de participar do esquema. Ao todo, segundo a investigação, cerca de R$ 1,6 bilhão foi desviado dos cofres públicos. Ao menos 13 prefeitos são suspeitos de participar diretamente do esquema, alguns dos quais foram presos; quatro foram cassados após a abertura dos inquéritos. Em um relatório final obtido pela Folha, a PF pede que os bens apreendidos na operação, incluindo carros e dinheiro, sejam revertidos para a polícia.
A ação aponta a existência de cinco núcleos de empresários que, de maneira interligada, burlavam licitações, pagavam propina a políticos e até influenciavam eleições.
Os homens apontados como os líderes do esquema são Valdomiro Coan, Carlos Zeli Carvalho, Fábio Favaretto, Simon Bolivar Bueno e Wilson da Silva Filho. Segundo as investigações, para cometer irregularidades eles usavam um grande número de empresas. Eles são sócios de algumas delas; outras estão em nome de parentes.
Além de fornecer merenda, as companhias dos indiciados atuam como fornecedores de material escolar, uniformes e serviços como de limpeza. Os empresários são acusados de usar lobistas para comprar políticos que, em troca, concediam a elas contratos superfaturados.
Uma investigação da CGU (Controladoria-Geral da União) anexada ao bojo da investigação mostra, por exemplo, que a prefeitura de Tietê, no interior, em 2014 e 2015, chegou a pagar R$ 12 pela unidade do ovo. As apurações da PF e da CGU constataram que, em alguns casos, houve troca de carne por apenas ovos na mistura. O investigação afirma que há suspeita de fraude e pagamento de propina em licitação da empresa Le Garçon em 2016 para fornecimento de alimentos para a Prefeitura de Águas de Lindoia. Em 2017, a empresa ganhou contrato específico para merenda na mesma cidade, também com indícios de fraude, segundo a PF.
A análise do contrato de 2017 constatou a incidência de cardápio com metade do suco, com mais arroz e a troca de proteína de soja por pão de queijo e pipoca, embora o valor não tenha sido alterado. “Tal análise evidencia superfaturamento, uma vez que os cardápios foram alterados com substituição de itens de menor custo e com redução de fornecimento de itens de maior custo, mantendo-se o mesmo valor contratual”, diz o relatório da PF.
Diversas conversas interceptadas com autorização judicial indicam a prática de propina e a doação de verba eleitoral como roupagem para a corrupção. Em uma delas, dois investigados conversam sobre a propina, que girava em torno de 20% a 30% do contrato, em diversas cidades. Favaretto, em uma reunião, teve uma declaração gravada que indica como os empresários viam a questão das doações, segundo a investigação. “Você apostou num prefeito e o prefeito perdeu, você tem que saber perder, não é verdade? Você tem que saber perder. Agora você vai querer achar que é o rei do negócio? Jogou na ficha errada, cê perdeu, sai fora”, disse, segundo a polícia.
Outra afirmação interceptada, segundo a PF, indica que ele beneficiou o atual prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), durante as eleições de 2016. Na conversa, ele afirmou que se houvesse segundo turno seria ruim para ele. “Agora vai ser mais caro ainda, imagina o que vai sobrar pra mim”, disse em trecho da conversa.
Depois da eleição, segundo a PF, pessoas ligadas ao grupo criminoso foram indicadas para cargos importantes na gestão.
De acordo com o relatório, “num lapso de um ano, logo no início da gestão de Orlando Morando”, o grupo criminoso “obteve cinco contratos públicos e estava na iminência de assinar o sexto”.
Fonte: folha.uol.com.br