BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - A Polícia Federal diz ter um "robusto conjunto probatório" de falta de planejamento, má gestão de recursos públicos e repasses irregulares em bolsas relacionadas ao Memorial da Anistia Política do Brasil, que seria instalado em Belo Horizonte e foi alvo de críticas da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.
A Operação Esperança Equilibrista investiga desde 2017 irregularidades no projeto financiado pelo Ministério da Justiça e executado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A conclusão de parte do inquérito foi entregue na última quarta-feira (11) à Justiça Federal.
Foram indiciadas 11 pessoas por crimes de associação criminosa, uso de documentos falsos, desvio de verba pública, concussão, estelionato e prevaricação, com base em documentos recolhidos em busca e apreensão, interceptações telefônicas, análise de movimentações bancárias e depoimentos.
Entre os indiciados estão pesquisadores, professores e a direção da UFMG e pessoas ligadas à Fundep (Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa), entidade de apoio da universidade. O inquérito será repassado ao Ministério Público Federal, onde o caso corre sob sigilo.
As investigações concluídas nesta semana focam na elaboração da exposição de longa duração do memorial --um contrato entre UFMG e Fundep. A PF estima que mais de R$ 1 milhão foi desviado de bolsas acadêmicas e aplicado em ações que fogem do escopo do projeto do memorial.
A reportagem teve acesso ao despacho de indiciamento relatado em janeiro deste ano. Segundo a polícia, um dos coordenadores do projeto, pesquisador na UFMG, teria recebido repasses de 12 bolsistas, entre R$ 115 e R$ 9.122,34. A outro coordenador nove pessoas repassaram quantias entre R$ 280 e R$ 28.897,80.
Alguns dos bolsistas entregavam parte dos valores voluntariamente, outros eram coagidos a fazê-lo, diz a PF. Em um email, um dos coordenadores avisa ao grupo que foram depositados valores a mais nas bolsas e que o excedente deveria ser repassado à conta pessoal dele, para que fosse devolvido à Fundep. Não há registro da devolução.
Um dos pesquisadores indiciados, que recebeu R$ 103.282,96 em bolsas de estágio e extensão, teria pago R$ 38.020,14 aos coordenadores. Os repasses foram feitos de forma voluntária, depois que ele recebeu aumento de R$ 3.000 na bolsa.
A investigação cita ainda a realização da exposição "Desconstrução do esquecimento: golpe, anistia e justiça de transição", no Centro Cultural da UFMG, em 2017, como um dos desvios.
Com custo de R$ 614.395, a mostra foi realizada apesar de recomendação contrária da Comissão de Anistia. Documentos mostram que foi discutido internamente se ela seria aberta ao público ou apenas para a visita de membros do Ministério da Justiça. Para a PF, o fim foi "ludibriar o órgão patrocinador com a apresentação de alguma produção".
A previsão inicial de orçamento para criação do memorial era de R$ 5 milhões. O primeiro de seis aditivos elevou os valores para R$ 14 milhões. A verba veio de um decreto assinado em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anulando outras dotações orçamentárias, destinadas ao Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) e à Polícia Federal.
No total, o projeto chegou ao valor de R$ 28 milhões, dos quais foram gastos pela UFMG R$ 15,6 milhões --cerca de R$ 3 milhões em pesquisa de conteúdo.
À reportagem a UFMG disse que a execução do projeto seguiu "de forma estrita regras, cronograma de execução financeira e critérios de avaliação estabelecidos pelo Ministério da Justiça".
"A universidade é um patrimônio do nosso país, se mantém (como sempre esteve e estará) à disposição das autoridades, confiante que todas as circunstâncias serão esclarecidas com a análise objetiva e imparcial das evidências", conclui o texto.
Há um mês, em visita a Belo Horizonte para averiguar as instalações, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, avisou que a obra não seria mais destinada ao Memorial da Anistia, porque o governo não tem recursos para terminá-lo.
O Ministério Público Federal em Brasília encaminhou então pedido para que a pasta de Damares respondesse qual seria a nova destinação do espaço. A manifestação lembra que "o Memorial da Anistia Política constitui dever do Estado brasileiro, centrado na agenda da Justiça de Transição".
O órgão respondeu que os planos para o prédio ainda são objeto de estudo e que "nao ha para o Estado dever algum, segundo a ordem juridica estabelecida, de dispender recursos publicos na construcao de um Memorial da Anistia", nem que o mesmo seja feito em Belo Horizonte.
A resposta do Ministérios dos Direitos Humanos também cita a operação da PF e diz que "seria no minimo inconsequente dar continuidade a obra sem a apuração das responsabilidades, dadas as suspeitas que recaem sobre a principal entidade convenente".
INVESTIGAÇÃO DE OBRAS
A criação do Memorial da Anistia consta na sentença do caso Gomes Lund, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, como uma das ações que o Estado brasileiro estaria adotando para reparar as violações cometidas durante a ditadura militar (1964-1985). O Brasil foi condenado pela detenção, tortura e desaparecimento de guerrilheiros no Araguaia.
O memorial deveria ocupar o prédio do Coleginho, onde funcionou a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG (Fafich), tombado pela Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.
Problemas na fundação do prédio, porém, fizeram com que o projeto fosse revisto e um novo prédio fosse construído no terreno. A obra foi suspensa em setembro de 2016, dois anos depois da previsão de conclusão.
A PF investiga ainda se o pagamento pelas obras condiz com o que foi executado, se houve fraude na licitação e as causas que podem ter afetado a estrutura do Coleginho.
Um inquérito civil para apurar a paralisação dos trabalhos de execução do memorial tramita na Procuradoria da República em Minas Gerais.
Fonte: br.yahoo.com